Citada como uma das maiores promessas por representantes brasileiros do setor de energia, a questão do hidrogênio – de matriz renovável e abundante – promete crescimentos tanto para exportação quanto para utilização do insumo em aplicações internas, como no uso de fertilizantes e combustível para transportes de grandes cargas a longas distâncias.
Na opinião do consultor de assuntos regulatórios Mariano Berkenwald, em alguns anos, o produtor de H2 deverá garantir que não está tirando eletricidade limpa de outro consumidor, com toda filosofia da certificação renovável que será necessária passando por esse conceito.
“A discussão europeia está aberta nesse momento quanto aos critérios, e a guerra pode alavancar ainda mais a flexibilização sobre os requisitos iniciais para os exportadores do setor energético no futuro”, declarou Berkenwald.
O executivo Luiz Barroso destacou também que essa é uma discussão imperativa para o Brasil, visto que a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) tem planos de efetivar essa certificação ao longo de 2022. O processo consistiria em eletrificar o setor, colocar o H2 para abater as emissões difíceis e, para aquelas que sobrarem, avaliar um preço, que será a alavanca para dimensionar o tamanho do subsídio que os europeus irão colocar para a molécula.
“Só conseguiremos fazer esse dever de casa se soubermos certificar essa energia com granularidade horária, o que a CCEE está trabalhando este ano”, aponta Barroso, ressaltando que a certificação deverá ser a inimiga mais importante a ser batida nessa cadeia de desenvolvimento tecnológico e de mercado.
Rotas de desenvolvimento
Berkenwald avalia que, na próxima década, grande parte das emissões de CO2 terá que passar pela eletrificação da demanda e medidas de eficiência energética. A descarbonização deve acontecer em 2030, a partir do que não pode ser eletrificado, como captura e armazenamento de CO2 e do hidrogênio. “Cerca de 50% das reduções de emissões até 2050 utilizarão tecnologias já presentes no mercado, algumas já competitivas, como as solares, eólicas e alguns mercados para carros elétricos”, enfatizou, mencionando também a fusão nuclear como uma energia firme e sem carbono.
O executivo analisa que, até 2050, a expectativa é de mudança significativa no fluxo das commodities globais, com a reorientação em detrimento dos combustíveis fósseis, que representarão menos de 20% no intercâmbio global até esse período. Minerais como níquel, cobalto, lítio e cobre serão uma parte principal nesse intercâmbio, assim como o H2. “Existem muitas incertezas, se o que será transportado será o H2 em si ou algum produto derivado”, complementou Berkenwald, que vê um movimento muito intenso nos setores público e privado, além de instituições financeiras, que antes tinham ações e decisões voluntárias e agora passaram a se preparar para uma realidade que será obrigatória no avanço da agenda Net Zero.
“Nesse momento, as discussões no velho continente centram-se também na necessidade de divulgação de dados ESG (Environmental, Social and Governance) das empresas, assim como acontece com os econômicos.”
Para Berkenwald, as tecnologias “vencedoras” no futuro serão as elétricas e renováveis, tanto em potencial quanto em qualidade sustentável. Já a captura de carbono e alguns usos das bioenergias têm sido mais debatidos na Europa como ferramentas de trato com o aquecimento global.
Interferência humana ou processo natural?
Sob outra perspectiva, o diretor-executivo Rafael Kelman destaca a necessidade de mudança na forma de planejar os cenários de operação do sistema, que devem incorporar as variabilidades da hidrologia e as ocorrências como eventos extremos, trazendo à tona o conceito de realismo climático e investimentos para adaptações resilientes.
“Temos que analisar potenciais eventos a partir da pergunta ‘E se acontece isso?’, como no caso de um tsunami que fecha portos e interrompe a importação de óleo diesel ou com o Chile passando a investir em maiores sistemas de armazenamento de combustíveis em todo país como medida resiliente”, diz, citando também outros casos como 50 graus abaixo de zero numa cidade no Canadá ou uma situação hipotética de um ano sem importação de GNL (Gás Natural Liquefeito).
Dentro da realidade brasileira, Kelman traz a discussão atual sobre considerar a recente baixa hidrológica em 2021 como um ciclo natural ou uma implicação ligada às mudanças climáticas, o que configuraria um novo normal para as futuras avaliações. “Nossa estratégia é a que minimiza o máximo arrependimento e vai depender de qual decisão por uma das duas respostas, ou, ainda, pelas realidades não representadas nos modelos computacionais, mas com o planejamento devendo centrar-se na precaução”, observou.
Aposta nas reversíveis
Na avaliação do executivo, a eletrificação dos setores da economia com fontes renováveis encabeça a descarbonização no Brasil, que terá como base as hidrelétricas, e, em 2030, tendo que tomar a decisão sobre novas fontes flexíveis, com adoção de novas hidrelétricas, o que é desafiador pelos movimentos contrários a esses projetos.
A inserção de térmicas a gás de ciclo aberto é uma das opções, mesmo com alguma emissão que teria que ser compensada por outros setores, além do armazenamento por baterias, químico ou em maiores volumes, classificando nesse caso as usinas reversíveis como baterias d’água.
“Eu aposto nas UHEs reversíveis para esse papel, além da modernização das hidrelétricas existentes. Se nada disso der certo, vamos usar as usinas a gás como reserva”, observa, mas chamando a atenção para o fato que os 8 GW impostos pela privatização da Eletrobras podem implicar em mais emissões e dificultar a entrada do Brasil no mercado de exportação do H2 verde.
Kelman também falou sobre um acréscimo considerável para a demanda energética que terá a eletrificação dos transportes e do hidrogênio, a partir de elevados números no médio e longo prazo. Na outra ponta, o País tem espaço para alocar fonte renovável barata e construir linhas de transmissão, o que é um desafio muito maior para outros mercados, como o americano.
A respeito do gás natural, o executivo afirmou se tratar de uma opção que não pode ser totalmente descartada. Contudo, ele chama a atenção para o gás natural da base do pré-sal como um complicador para a questão das emissões, ainda que estejam sendo estudadas novas tecnologias para produzir térmicas embarcadas offshore, gerando eletricidade por um cabo submarino e as emissões sendo reintroduzidas no campo, aumentando a produção de óleo que já é feito com o gás natural como associado do petróleo.